Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo centra a nossa reflexão na lógica do amor de Deus. Sugere que
Deus ama o homem, infinita e incondicionalmente; e que nem o pecado nos afasta
desse amor…
A
primeira leitura apresenta-nos a atitude misericordiosa de Javé face à
infidelidade do Povo. Situado no Sinai, no espaço da aliança – Deus assume uma
atitude que se vai repetir muitas vezes ao longo da história da salvação: deixa
que o amor se sobreponha à vontade de punir o pecador.
A
primeira parte descreve o pecado do Povo e uma primeira reação de Deus. Perante
a ausência de Moisés no monte sagrado, o Povo constrói um bezerro de ouro. O
bezerro de ouro não pretende ser um novo deus, mas uma imagem de Javé. De
qualquer forma, o Povo “desviou-se do caminho” que Deus lhe havia ordenado,
pois, infringiu o segundo mandamento do Decálogo. O pedido de Deus a Moisés: “agora
deixa-Me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destrui-los-ei; mas farei
de ti uma grande nação”, pode ser posto em paralelo com a promessa a Abraão:
Deus fala de tudo recomeçar com Moisés, como fez com Abraão.
Na
segunda parte, descreve-se a intercessão de Moisés e a misericórdia de Deus. O
texto começa com a referência a Moisés que “acalmou a face de Deus”. As
palavras de intercessão de Moisés não fazem referência aos méritos do Povo, mas
à honra de Deus e à sua fidelidade às promessas assumidas para com o Povo no
âmbito da aliança. A resposta final de Deus põe em relevo a sua misericórdia.
Não são os méritos do Povo que eliminam o castigo; mas é o amor de Deus, a sua
lealdade aos compromissos, a sua “justiça”, que é misericórdia, ternura,
bondade; que acabam por triunfar. O amor infinito de Deus pelo seu Povo acaba
sempre por falar mais alto do que a sua vontade de castigar os desvios e
infidelidades.
Na
segunda leitura, Paulo recorda algo que nunca deixou de o espantar: o amor de
Deus manifestado em Jesus Cristo. Esse amor derrama-se incondicionalmente sobre
os pecadores, transforma-os e torna-os pessoas novas. Paulo é um exemplo
concreto dessa lógica de Deus; por isso, não deixará de testemunhar o amor de
Deus e de Lhe agradecer.
Assim,
Paulo recorda, agradecido, a sua história de vocação. O apóstolo afirma que
recebeu de Cristo o seu ministério; e proclama que isso se deve, não aos seus
méritos, mas à misericórdia de Deus. Paulo reconhece que Cristo “veio ao mundo
para salvar os pecadores”, entre os quais Paulo se inclui. Pelo exemplo de
Paulo, fica evidente a misericórdia e a magnanimidade de Deus, que se derrama
sobre todos os homens, sejam quais forem as faltas cometidas. A partir deste
exemplo, todos são convidados a tomar consciência da bondade de Deus e a
responder-lhe da mesma forma que Paulo: com o dom da vida e com o empenho sério
no testemunho desse projeto de amor que Deus tem para oferecer.
O
Evangelho apresenta-nos o Deus que ama todos e que, de forma especial, Se
preocupa com os pecadores, com os excluídos, com os marginalizados. A parábola
do “filho pródigo”, em especial, apresenta Deus como um pai que espera
ansiosamente o regresso do filho rebelde, que o abraça quando o avista, que o
faz reentrar em sua casa e que faz uma grande festa para celebrar o reencontro.
As
três parábolas da misericórdia pretendem, portanto, justificar o comportamento
de Jesus para com os publicanos e pecadores. Elas definem a “lógica de Deus” em
relação a esta questão.
A
primeira parábola é a da ovelha perdida. Trata-se de uma parábola que, lida à
luz da razão, é ilógica e incoerente, pois, não é normal abandonar noventa e
nove ovelhas por causa de uma; também não faz sentido todo o exagero criado à
volta de um fato banal como é o reencontro com uma ovelha que se extraviou… Nessas
reações desproporcionadas revela-se, contudo, a mensagem essencial da parábola…
O “deixar as noventa e nove ovelhas para ir ao encontro da que estava perdida”
mostra a preocupação de Deus com cada pessoa que se afasta da comunidade da
salvação; o “pôr a ovelha aos ombros” significa o cuidado e a solicitude de
Deus, que trata com cuidado e com amor os filhos que se afastaram e que
necessitam de cuidados especiais; a alegria desproporcionada do pastor que
encontrou a ovelha mostra a alegria de Deus, sempre que encontra um filho que
se afastou da comunhão com Ele.
A
segunda parábola reafirma o ensinamento da primeira. O amor misericordioso e
constante de Deus busca aquele que se perdeu e alegra-se quando o encontra. A
imagem da mulher preocupada, que varre a casa de cima a baixo, ilustra a
preocupação de Deus em reencontrar aqueles que se afastaram da comunhão com
Ele. Também aqui há, como na parábola anterior, a referência à alegria do
reencontro: essa alegria manifesta a felicidade de Deus diante do pecador que
volta.
A
terceira parábola apresenta o quadro de um pai - Deus, em cujo coração triunfa
sempre o amor pelo filho, aconteça o que acontecer. Ele continua a amar o filho
rebelde e ingrato, apesar da sua ausência, do seu orgulho e da sua autossuficiência;
e esse amor acaba por revelar-se na forma emocionada como recebe o filho,
quando ele resolve voltar para a casa paterna. Esta parábola apresenta a lógica
de Deus, que respeita absolutamente a liberdade e as decisões dos seus filhos,
mesmo que eles usem essa liberdade para buscar a felicidade em caminhos errados;
e, aconteça o que acontecer, continua a amar, a esperar ansiosamente o regresso
do filho, preparado para o acolher com alegria e amor. É essa a lógica que
Jesus quer propor aos fariseus e escribas - os “filhos mais velhos” - que, a
propósito dos pecadores que tinham abandonado a “casa do Pai”, professavam uma
atitude de intolerância e de exclusão.
O
que está, portanto, em causa nas três parábolas da misericórdia é a
justificativa da atitude de Jesus para com os pecadores. Jesus deixa claro que
a sua atitude se insere na lógica de Deus em relação aos filhos afastados. Deus
não os rejeita, não os marginaliza, mas ama-os com amor de Pai… Preocupa-se com
eles, vai ao seu encontro, solidariza-Se com eles, estabelece com eles laços de
familiaridade, abraça-os com emoção, cuida deles com solicitude, alegra-Se e
faz festa quando eles voltam à casa do Pai. Esta é a forma de Deus atuar em relação
aos seus filhos, sem exceção; e é essa atitude de Deus que Jesus revela ao
acolher os pecadores e ao sentar-Se com eles à mesa. Por muito que isso custe
aos fariseus, essa é a lógica de Deus; e todos os “filhos de Deus” devem
acolher esta lógica e atuar da mesma forma, indo ao encontro do outro,
colocando-se no lugar do outro e sentir com ele, com compaixão e amor. Assim
seja! Amém.
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