Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo revela um Deus de bondade e de misericórdia, que detesta o
pecado, mas ama o pecador; por isso, Ele multiplica “a fundo perdido” a oferta
da salvação. Da descoberta de um Deus assim, brota o amor e a vontade de vivermos
uma vida nova, integrados em comunidade.
A
primeira leitura apresenta-nos, através da história do pecador David, um Deus
que não pactua com o pecado; mas que também não abandona esse pecador que
reconhece a sua falta e aceita o dom da misericórdia.
Os
acontecimentos foram lidos como sinais claros de que Javé não estava disposto a
pactuar com as injustiças e as arbitrariedades cometidas pelo rei; naturalmente, não foram castigos de Deus, mas
acontecimentos históricos normais, típicos de uma época violenta, em que a luta
pelo poder terminava, tantas vezes, em tragédias pessoais e familiares.
Confrontado
com o seu crime, David reconhece, com humildade, o seu comportamento errado e
pede perdão; e Deus acaba por perdoar a sua falta. Assim, a mensagem é
evidente: Deus não deixa passar em claro a atitude daqueles que se aproveitam
do poder para fins egoístas e desfazem a vida dos irmãos; apesar das nossas
falhas, a misericórdia de Deus não nos abandona e dá-nos sempre a hipótese de
recomeçar.
Na
segunda leitura, Paulo apresenta uma espécie de síntese daquilo que ele
considera o autêntico Evangelho. Paulo garante-nos que a salvação é um dom
gratuito que Deus oferece, não uma conquista humana. Para ter acesso a esse
dom, não é fundamental cumprir ritos e viver na observância escrupulosa das
leis; mas é preciso aderir a Jesus e identificar-se com o Cristo do amor e da
entrega: é isso que conduz à vida plena.
Na
primeira parte, Paulo sustenta que a salvação vem, única e exclusivamente, por
Cristo. É por Cristo que somos “justificados” e não pelas obras da Lei. E na segunda parte, a reflexão de Paulo gira à
volta da ação de Cristo e da ação da Lei, no sentido de “salvar” o homem. A Lei
salva? Não. Ao crucificar Jesus, a Lei demonstrou que não gerava vida, mas
morte; desqualificou-se, assim, e demonstrou a sua falência no sentido de
conduzir à vida plena o homem que estava sob a sua jurisdição. Depois de ser
responsável pela morte de Cristo, a Lei não terá qualquer legitimidade para se
impor e já não será vista por ninguém como geradora de vida.
Cristo,
por seu lado, com a sua vida e, sobretudo, com a sua morte - provocada pela Lei
- mostrou a todos a falência da Lei e libertou os homens de um regime que
apenas criava escravatura e morte.
Quanto
a si, Paulo identifica-se plenamente com Cristo. Sendo um com Cristo, Paulo
também foi crucificado pela Lei e descobriu, com Cristo, que a Lei não gerava
vida, mas morte. Assim, ele aprendeu que só Cristo dá vida e que só Cristo
liberta. É na identificação com esse Cristo do amor e da entrega total - “que
me amou e Se entregou por mim” e não na Lei, que Paulo descobre a vida plena, a
vida do Homem Novo. Então, podemos afirmar: a Lei gera morte; só Cristo salva.
O
Evangelho coloca diante dos nossos olhos a figura de uma “mulher da cidade que
era pecadora” e que vem chorar aos pés de Jesus. Lucas dá a entender que o amor
da mulher resulta de haver experimentado a misericórdia de Deus. Deus sabe
isso; é por isso que age assim.
A
perspectiva fundamental deste episódio tem a ver com a definição da atitude de
Jesus e, portanto, de Deus para com os pecadores.
A
personagem central é a mulher a quem Lucas apresenta como “uma mulher da cidade
que era pecadora”. Não há qualquer indicação acerca de anteriores contatos
entre Jesus e esta mulher, embora possamos supor que a mulher já se tinha
encontrado com Jesus e tinha percebido n’Ele uma atitude diferente dos mestres
da época, sempre preocupados em evitar os pecadores notórios e em condená-los. A
ação da mulher, o choro, as lágrimas derramadas sobre os pés de Jesus, o enxugar
os pés com os cabelos, o beijar os pés e ungi-los com perfume é descrita como
uma resposta de gratidão, como consequência do perdão recebido. A parábola que
Jesus conta, a este propósito, parece significar, não que o perdão resulta do
muito amor manifestado pela mulher, mas que o muito amor da mulher é o
resultado da atitude de misericórdia de Jesus: o amor manifestado pela mulher
nasce de um coração agradecido de alguém que não se sentiu excluído nem
marginalizado, mas que, nos gestos de Jesus, tomou consciência da bondade e da
misericórdia de Deus.
A
outra figura central deste episódio é Simão, o fariseu. Ele representa aqueles
zelosos defensores da Lei que evitavam qualquer contato com os pecadores e que
achavam que o próprio Deus não podia acolher nem deixar-Se tocar pelos
transgressores notórios da Lei e da moral. Jesus procura fazê-lo entender que
só a lógica de Deus – uma lógica de amor e de misericórdia – pode gerar o amor
e, portanto, a conversão e a vida nova. Jesus empenha-se em mostrar a Simão que
não é marginalizando e segregando que se pode obter uma nova atitude do
pecador; mas que é amando e acolhendo que se pode transformar os corações e
despertar neles o amor: essa é a perspectiva de Deus. O perdão não se dá a
troco de amor, mas dá-se, simplesmente, sem esperar nada em troca. A reação de
Jesus não é um caso isolado, mas resulta da missão de que Ele se sente
investido por Deus – atitude que Ele procurará manifestar em tantas situações
semelhantes: dizer aos proscritos, aos moralmente fracassados, que Deus não os
condena nem marginaliza, mas vem ao seu encontro para os libertar, para
dar-lhes dignidade, para os convocar para o banquete escatológico do Reino. É
esta atitude de Deus que gera o amor e a vontade de começar vida nova, inserida
na lógica do Reino.
O
texto que nos é proposto termina com uma referência ao grupo que acompanha
Jesus: os Doze e algumas mulheres. O fato de o “mestre” Se fazer acompanhar por
mulheres - Lucas é o único evangelista que refere a incorporação de mulheres no
grupo itinerante dos discípulos era algo insólito, numa sociedade em que a
mulher desempenhava um papel social e religioso marginal. No entanto, manifesta
a lógica de Deus que não exclui ninguém, mas integra todos – sem exceção – na
comunidade do Reino. As mulheres – grupo com um estatuto de subalternidade,
cujos direitos sociais e religiosos eram limitados pela organização social da
época – também são integradas nessa comunidade de irmãos que é a comunidade do
Reino: Deus não exclui nem marginaliza ninguém, mas a todos chama a fazer parte
da sua família em comunidade. Portanto, é o dom gratuito do perdão que gera
amor e vida nova que se manifesta a plenitude da salvação. Assim seja! Amém.
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