domingo, 16 de junho de 2013

O dom gratuito do perdão gera amor e vida nova


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo revela um Deus de bondade e de misericórdia, que detesta o pecado, mas ama o pecador; por isso, Ele multiplica “a fundo perdido” a oferta da salvação. Da descoberta de um Deus assim, brota o amor e a vontade de vivermos uma vida nova, integrados em comunidade.

A primeira leitura apresenta-nos, através da história do pecador David, um Deus que não pactua com o pecado; mas que também não abandona esse pecador que reconhece a sua falta e aceita o dom da misericórdia.
Os acontecimentos foram lidos como sinais claros de que Javé não estava disposto a pactuar com as injustiças e as arbitrariedades cometidas pelo rei;  naturalmente, não foram castigos de Deus, mas acontecimentos históricos normais, típicos de uma época violenta, em que a luta pelo poder terminava, tantas vezes, em tragédias pessoais e familiares.
Confrontado com o seu crime, David reconhece, com humildade, o seu comportamento errado e pede perdão; e Deus acaba por perdoar a sua falta. Assim, a mensagem é evidente: Deus não deixa passar em claro a atitude daqueles que se aproveitam do poder para fins egoístas e desfazem a vida dos irmãos; apesar das nossas falhas, a misericórdia de Deus não nos abandona e dá-nos sempre a hipótese de recomeçar.

Na segunda leitura, Paulo apresenta uma espécie de síntese daquilo que ele considera o autêntico Evangelho. Paulo garante-nos que a salvação é um dom gratuito que Deus oferece, não uma conquista humana. Para ter acesso a esse dom, não é fundamental cumprir ritos e viver na observância escrupulosa das leis; mas é preciso aderir a Jesus e identificar-se com o Cristo do amor e da entrega: é isso que conduz à vida plena.
Na primeira parte, Paulo sustenta que a salvação vem, única e exclusivamente, por Cristo. É por Cristo que somos “justificados” e não pelas obras da Lei.  E na segunda parte, a reflexão de Paulo gira à volta da ação de Cristo e da ação da Lei, no sentido de “salvar” o homem. A Lei salva? Não. Ao crucificar Jesus, a Lei demonstrou que não gerava vida, mas morte; desqualificou-se, assim, e demonstrou a sua falência no sentido de conduzir à vida plena o homem que estava sob a sua jurisdição. Depois de ser responsável pela morte de Cristo, a Lei não terá qualquer legitimidade para se impor e já não será vista por ninguém como geradora de vida.
Cristo, por seu lado, com a sua vida e, sobretudo, com a sua morte - provocada pela Lei - mostrou a todos a falência da Lei e libertou os homens de um regime que apenas criava escravatura e morte.
Quanto a si, Paulo identifica-se plenamente com Cristo. Sendo um com Cristo, Paulo também foi crucificado pela Lei e descobriu, com Cristo, que a Lei não gerava vida, mas morte. Assim, ele aprendeu que só Cristo dá vida e que só Cristo liberta. É na identificação com esse Cristo do amor e da entrega total - “que me amou e Se entregou por mim” e não na Lei, que Paulo descobre a vida plena, a vida do Homem Novo. Então, podemos afirmar: a Lei gera morte; só Cristo salva.

O Evangelho coloca diante dos nossos olhos a figura de uma “mulher da cidade que era pecadora” e que vem chorar aos pés de Jesus. Lucas dá a entender que o amor da mulher resulta de haver experimentado a misericórdia de Deus. Deus sabe isso; é por isso que age assim.
A perspectiva fundamental deste episódio tem a ver com a definição da atitude de Jesus e, portanto, de Deus para com os pecadores.
A personagem central é a mulher a quem Lucas apresenta como “uma mulher da cidade que era pecadora”. Não há qualquer indicação acerca de anteriores contatos entre Jesus e esta mulher, embora possamos supor que a mulher já se tinha encontrado com Jesus e tinha percebido n’Ele uma atitude diferente dos mestres da época, sempre preocupados em evitar os pecadores notórios e em condená-los. A ação da mulher, o choro, as lágrimas derramadas sobre os pés de Jesus, o enxugar os pés com os cabelos, o beijar os pés e ungi-los com perfume é descrita como uma resposta de gratidão, como consequência do perdão recebido. A parábola que Jesus conta, a este propósito, parece significar, não que o perdão resulta do muito amor manifestado pela mulher, mas que o muito amor da mulher é o resultado da atitude de misericórdia de Jesus: o amor manifestado pela mulher nasce de um coração agradecido de alguém que não se sentiu excluído nem marginalizado, mas que, nos gestos de Jesus, tomou consciência da bondade e da misericórdia de Deus.
A outra figura central deste episódio é Simão, o fariseu. Ele representa aqueles zelosos defensores da Lei que evitavam qualquer contato com os pecadores e que achavam que o próprio Deus não podia acolher nem deixar-Se tocar pelos transgressores notórios da Lei e da moral. Jesus procura fazê-lo entender que só a lógica de Deus – uma lógica de amor e de misericórdia – pode gerar o amor e, portanto, a conversão e a vida nova. Jesus empenha-se em mostrar a Simão que não é marginalizando e segregando que se pode obter uma nova atitude do pecador; mas que é amando e acolhendo que se pode transformar os corações e despertar neles o amor: essa é a perspectiva de Deus. O perdão não se dá a troco de amor, mas dá-se, simplesmente, sem esperar nada em troca. A reação de Jesus não é um caso isolado, mas resulta da missão de que Ele se sente investido por Deus – atitude que Ele procurará manifestar em tantas situações semelhantes: dizer aos proscritos, aos moralmente fracassados, que Deus não os condena nem marginaliza, mas vem ao seu encontro para os libertar, para dar-lhes dignidade, para os convocar para o banquete escatológico do Reino. É esta atitude de Deus que gera o amor e a vontade de começar vida nova, inserida na lógica do Reino.

O texto que nos é proposto termina com uma referência ao grupo que acompanha Jesus: os Doze e algumas mulheres. O fato de o “mestre” Se fazer acompanhar por mulheres - Lucas é o único evangelista que refere a incorporação de mulheres no grupo itinerante dos discípulos era algo insólito, numa sociedade em que a mulher desempenhava um papel social e religioso marginal. No entanto, manifesta a lógica de Deus que não exclui ninguém, mas integra todos – sem exceção – na comunidade do Reino. As mulheres – grupo com um estatuto de subalternidade, cujos direitos sociais e religiosos eram limitados pela organização social da época – também são integradas nessa comunidade de irmãos que é a comunidade do Reino: Deus não exclui nem marginaliza ninguém, mas a todos chama a fazer parte da sua família em comunidade. Portanto, é o dom gratuito do perdão que gera amor e vida nova que se manifesta a plenitude da salvação. Assim seja! Amém.

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